21 de junho de 2011

Como nascem as tentações

Pe Flavio Santiago

Pe. Flávio Santiago

Segundo evangelista São Mateus – cf. 4, 1s[2] – depois do batismo Jesus foi conduzido pelo Espírito ao deserto e aí passa 40 dias em contato com satanás. A urdidura redacional do autor do 1º. Evangelho permite-nos constatar, portanto, um nexo entre o batismo e a tentação. Jesus é tentado depois de emergir das águas do Jordão e também depois que escutou a voz do Pai que afirma: este é o meu filho amado, que muito me agrada (Já o evangelista São Lucas diz que em Jesus o Pai encontra o seu agrado – Cf. 3,22)[3]. Acontece, também como o antigo povo de Israel, algo semelhante: este é tentado no deserto somente depois que foi libertado da opressão e da escravidão do Egito e de ter atravessado o mar vermelho – cf. Ex 16, 1-4[4].17, 1-7[5]; Dt 9, 7-24[6] -.

A tentação irrompe na vida de Jesus no momento em que Ele começa a olhar a própria vida como uma missão, como uma vocação, como uma resposta ao chamado do Pai. É significativo o fato de que o tentador, para desviar Jesus da sua missão, profere justamente as palavras que foram ditas pelo Pai: Disse-lhe o diabo: «Se és Filho de Deus...» (Lc 4,3). É verdade que a experiência da tentação somente começa quando se inicia a grande luta da vida; somente quando nos colocamos em relação com o autor da vida.

Enquanto permanecermos no cárcere dos nossos projetos pessoais, nas malhas da nossa auto-suficiência não nos confrontaremos com o adversário. Somente quando se deixa a própria “pátria” e nos encaminhamos para a “terra” que o Senhor nos promete é que se inicia a grande luta, o grande combate. Ajuda-nos a bem compreender esta situação a recordação de um diálogo vivenciado entre um jovem monge, que vivia no monte Athos, e o seu mestre espiritual. O discípulo acorre ao seu diretor confessando-lhe de que está sendo tentado e o ancião lhe responde: Tu não estás sendo tentado. Tu já és todo do inimigo. Satanás tenta Abraão, tenta Moisés, tenta Jeremias.

Por isto, o autor do livro de Siracide afirma: Meu filho, se entrares para o serviço de Deus, prepara a tua alma para a provação. (Eclo 2, 1) Santo Agostinho, no famoso discurso aos pastores, repreende os pastores negligentes que não preparam para a provação àqueles que queriam tornar-se cristãos: Que tipo de pastores são aqueles que, temendo de ofender as ovelhas, não apenas não lhes prepara para as tentações futuras mais terminam por lhes prometer a felicidade deste mundo, felicidade que nem mesmo o próprio Deus prometeu[7].

Se esta é a condição de quem é chamado a seguir Cristo compreende-se, então, porque na tradição cristã, a linguagem que freqüentemente usamos chama em causa a idéia de luta, de combate. Existe um desafio para o homem e também existe um homicida, um assassino da vida, um mentiroso. Resta, porém, saber se este inimigo existe realmente e onde se encontra. Certamente não é fácil tomar consciência da existência deste e por isso o evangelho de Lucas nos apresenta a figura da velha que clama por justiça e não para de gritar ao juiz: faz-me justiça contra o meu adversário.[8] A anciã a qual faz referência o autor do 3º. Evangelho é uma mulher que tem um território para defender, um espaço para reconquistar, pois alguém usurpou o local onde habitava.

O agressor insidiou a existência da velha senhora. Insidia[9] é uma palavra interessante. Alguém se sentou no teu lugar. Existe um inimigo que deseja eliminar-te do teu lugar na vida, da tua vocação e justamente por isso te faz desejar ir e ocupar outro espaço. É neste nível que se desenvolve a batalha que, como nos ensina o apóstolo Paulo, não é contra a criatura de sangue e carne. Isto é: um colega, um formador, minha família, um rapaz que me atrai. O verdadeiro combate é sempre interior, pois ele se ubica no meu coração. Lugar onde deixei que entrassem as trevas e a mentira. Enquanto o homem não descobre que a verdadeira luta se dá nesta arena o combate é inútil.

É evidente que para uma guerra deste tipo são necessárias armas especiais: acontece, geralmente, que os recursos que muitas vezes utilizamos para defender o que temos como importante não são os mais adequados. No caso do combate espiritual somente serve a armadura[10] que foi preparada pelo próprio Deus: Enfim, fortalecei-vos no

Senhor, no poder de sua força; revesti-vos da armadura de Deus, para que possais resistir às ciladas do diabo. Pois a nossa luta não é contra o sangue e a carne, mas contra os principados, as potestades, os dominadores deste mundo tenebroso, os espíritos malignos espalhados pelo espaço. Por isso, protegei-vos com a armadura de Deus, a fim de que possais resistir no dia mau, e assim, empregando todos os meios, continueis firmes. Ficai, pois, de prontidão, tendo a verdade como cinturão, a justiça como couraça e os pés calçados com o zelo em anunciar a Boa-Nova da paz. Em todas as circunstâncias, empunhai o escudo da fé, com o qual podereis apagar todas as flechas incendiadas do Maligno. Enfim, ponde o capacete da salvação e empunhai a espada do Espírito, que é a palavra de Deus. Com toda sorte de preces e súplicas, orai constantemente no Espírito. Prestai vigilante atenção neste ponto, intercedendo por todos os santos.[1]

[1] Inspirado em Come nascono le tentazioni, artigo de autoria de Don Andrea Campisi, publicado no Il nuovo gionale, informativo da Diocese de Piacenza-Bobbio, edição do dia 12 de fevereiro de 2010

[2] Jesus tentado no deserto (Mc 1,12-13; Lc 4,1-13) - 1Então, o Espírito conduziu Jesus ao deserto, a fim de ser tentado pelo diabo. 2Jejuou durante quarenta dias e quarenta noites e, por fim, teve fome.

[3] Batismo de Jesus (Mt 3,13-17; Mc 1,9-11; Jo 1,31-34) - 21Todo o povo tinha sido batizado; tendo Jesus sido batizado também, e estando em oração, o Céu rasgou-se 22e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corpórea, como uma pomba. E do Céu veio uma voz: «Tu és o meu Filho muito amado; em ti pus todo o meu agrado.»

[4] O maná e as codornizes (Nm 11,1-15.31-34; Sl 78,23-29; Sb 16,20-29; Jo 6,26-58) - 1Partiram de Elim e toda a comunidade dos filhos de Israel chegou ao deserto de Sin, que está entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês, após a sua saída da terra do Egito. 2 Toda a comunidade dos filhos de Israel murmurou contra Moisés e Aarão no deserto. 3 Os filhos de Israel disseram-lhes: «Quem dera que tivéssemos morrido pela mão do SENHOR na terra do Egito, quando estávamos descansados junto da panela de carne, quando comíamos com fartura! Mas vós fizestes-nos sair para este deserto para fazer morrer de fome toda esta assembleia!» 4O SENHOR disse a Moisés: «Eis que vou fazer chover do céu pão para vós. O povo sairá e recolherá em cada dia a porção de um dia. Isto é para o pôr à prova e ver se andará, ou não, na minha lei.

[5] A água da rocha (Nm 20,1-13; Sl 95,8-11; 106,32) - 1Toda a comunidade dos filhos de Israel partiu do deserto de Sin para as suas etapas, segundo a palavra do SENHOR. Eles acamparam em Refidim, mas não havia água para o povo beber.2O povo litigou com Moisés, e disse: «Dá-nos água para beber.» Disse-lhes Moisés: «Porque litigais comigo? Porque pondes o SENHOR à prova?»
3Ali o povo teve sede de água, e murmurou contra Moisés, dizendo: «Porque nos fizeste subir do Egipto para nos fazer morrer à sede, a nós, aos nossos filhos e ao nosso gado?» 4Moisés clamou ao SENHOR, dizendo: «Que farei a este povo? Mais um pouco e vão apedrejar-me.»
5O SENHOR disse a Moisés: «Passa diante do povo e toma contigo alguns anciãos de Israel; e leva na tua mão a vara com que feriste o rio, e vai. 6*Eis que estarei diante de ti, lá, sobre a rocha no Horeb. Tu ferirás a rocha e dela sairá água, e o povo beberá.» Assim fez Moisés diante dos anciãos de Israel.7*Ele deu àquele lugar o nome de Massá e Meribá, por causa do litígio dos filhos de Israel, e por terem posto o SENHOR à prova, dizendo: «Está o SENHOR no meio de nós ou não?»

[6] 7Lembra-te, não esqueças que desgostaste o SENHOR, teu Deus, no deserto, desde o dia em que saíste da terra do Egipto até chegares a este lugar, revoltando-te contra o SENHOR! 8Até no Horeb, desgostaste o SENHOR, e o SENHOR irritou-se contra ti, a ponto de te querer destruir.» (...) Aliança do Horeb (Nm 11,1-34; 14,13-19) - 9*«Quando subi à montanha para receber as tábuas de pedra, as tábuas da aliança que o SENHOR fez convosco, permaneci na montanha quarenta dias e quarenta noites, sem comer pão nem beber água.

[7] Santo Agostinho, Dal "Discorso sui pastori", (Disc. 46, 10-11; CCL 41, 536-538)

[8] Lc 18,3

[9] Etimologia da palalvra “insidia”

[10] A armadura de Deus (6:14-20): O cinto (6:14). A verdade (a palavra de Deus veja João 17:17) precisa ser embrulhada ao centro do nosso ser para segurar todas as coisas. Sem o cinto da verdade, a armadura se desmancha. A couraça (6:14). O coração é protegido pela justiça de Deus, que é revelada no evangelho (veja Romanos 1:17). O cristão que vive segundo o evangelho está protegendo seu coração do mal. Os calçados (6:15). Quando convertido pelo evangelho da paz, o inimigo se torna aliado. Quanto mais aliados, menos os inimigos, fica mais fácil vencer a batalha. Pregando o evangelho da paz salva vidas da destruição da batalha. O escudo (6:16). A fé é o escudo do cristão contra "todos os dardos inflamados do Maligno".  Tudo pode ser vencido em Cristo (veja Filipenses 4:13), através da fé verdadeira que foi uma vez por todas entregue por ele (veja 4:4; Judas 3). A espada (6:17). A única arma ofensiva que o cristão precisa é a palavra de Deus (veja Hebreus 4:12; João 12:48; Apocalipse 1:16; 19:15). Para ganhar uma batalha espiritual, temos que falar a palavra espiritual de Deus, e não a palavra carnal dos homens.

1 comentários :

Ricardo Moura Borges disse...

A Bíblia faz referência a várias tentações:

* A tentação de Eva, no Paraíso, narrada em Gênesis, 3:1 a 24.
* As tentações de Satanás sobre Jesus (Lucas 4:3).
* O Eclesiástico trata do tema nos capítulos 2, 33 e 34 e até nos dá uma receita para rechaçá-la.
* A expressão contida na oração dominical: "não nos deixes cair em tentação, mas livra-nos do mal".
* A advertência feita por Tiago em sua notável epístola (1:14).
* A recomendação de Jesus sobre a necessidade de vigiar e orar, para não cairmos em tentação.

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