24 de fevereiro de 2012

QUARESMA (Parte 1)

Quaresma são os quarenta dias de caminhada rumo à páscoa do Senhor, início e termo desse caminho. Nesse sentido, o número quarenta possui um significado muito rico e profundo dentro da tradição cristã que, por volta do século IV, em Roma, o relacionou com modelos bíblicos, tais como: os quarenta dias de Moisés (Ex 24, 12-18.34) sem comer e beber no Sinai para receber a aliança; e os quarenta dias de Elias (1Rs 19,3-8); bem como, o povo de Israel que passou quarenta anos de caminhada no deserto; e, por fim, Jesus Cristo que passando quarenta dias no deserto mostrar-se fiel ao projeto de Deus (Mt 4, 1ss) (cf. BOROBIO, A Celebração na Igreja 3, 2000, p. 151-154).

O deserto é o lugar da Palavra de Deus, onde Deus ensina seu povo, é o lugar dos mandamentos, de grandes feitos da parte de Deus. É, também, lugar de provação e purificação do povo, que afligido pela murmuração e desobediência perecem. É o lugar do recolhimento interior, momento precedente a ação, “uma luta pela sua missão, uma luta contra a deturpação da missão” (RATZINGER, Jesus de Nazaré, v. 1, p. 36). O deserto é ainda uma antinomia do paraíso. É o lugar da aridez e da sequidão.

Porém, com a Pessoa de Jesus Cristo, o deserto se transforma em lugar de reconciliação e da salvação. Retorna-se a paz paradisíaca na qual habitou o primeiro homem, Adão. Paz recusada pela escolha livre da não realização do projeto de Deus e restaurada pelo novo Adão, Cristo, que assumindo a vontade de Deus torna-se fiel exemplo de fidelidade e fonte de vida. Ele é a fonte onde brota a água que “irriga os desertos da alma inquieta e insatisfeita, ‘enquanto não repousar em Deus’, segundo as célebres palavras de Santo Agostinho” (BENTO XVI, Mensagem para Quaresma 2011, n.2).

Assim, a quaresma é o “tempo favorável” para a redescoberta e o aprofundamento do autêntico discípulo de Cristo, de avaliação de nossas opções de vida e linhas de trabalho, para corrigir os erros e aprofundar a dimensão ética da fé, abrindo-nos aos outros e realizando ações concretas de solidariedade. É espaço para um novo nascimento.  Assumirmos nossos pecados e abrir-nos a conversão, à mudança de vida. Para tanto, devemos compreender que o protagonista é o Cristo que sobe à Jerusalém, percorre o caminho da Cruz e passa, através da morte, à nova vida que o Pai lhe dá por seu Espírito. A duração desse tempo forte de reconciliação com Deus, o irmão e consigo mesmo, como sabemos, inicia na quarta-feira de cinzas e vai até a amanhã da quinta-feira santa.

No contexto atual, onde há grandes mudanças simultâneas e atualizações constantes, torna-se difícil vivemos uma consciência de uma mudança cada vez mais radical. Parece que os acontecimentos sejam atropelados pela agilidade com que ocorrem e, com isso, até nos perdemos neste emaranhado ofegante de novidades. É tanto que mesmo com a renovação continua em várias áreas do conhecimento, do lazer, da tecnologia, entre outras, não nos satisfazemos, pois uma palavra volta sempre: “Cansei, não aguento mais”; sem falar naquela sensação de que precisaria dobrar às 24h (vinte quatro horas) do dia. As férias, os feriados, os fins de semana não parecem produzir o efeito desejado (como escreveu um amigo meu, outro dia, “o domingo é o dia que se fica procurando o que fazer... quem foi que inventou o domingo? Ô tedio...”). E isso faz dos relacionamentos momentos artificiais, conflitivos e virtuais. O que se constata é uma sede profunda da salvação, uma busca para aprender “respirar” em meio a vida conturbada, uma procura de algo que preencha o vazio existencial presente no homem pós-moderno. Aspira-se uma maior clareza e serenidade, ao superar o ódio, ao crer na fecundidade do perdão, na alegria da reconciliação, do encontrar-se, do reunir-se fraternalmente, do dialogar.

Para o cristão, a quaresma é o tempo para fazer uma verdadeira mudança e renovação, para retornar sadiamente, para colocar em ordem as muitas confusões, para estabelecer relações autenticas, para retomar os diálogos interrompidos, para saborear o verdadeiro repouso para chegar a salvação. Tudo isso não virá por meio de um ato da vontade, nem é fruto de uma vivaz inteligência, mas nasce da decisão de colocar-se na escuta de Deus, de deixar-se transformar por meio dele, de abandonar os caminhos atuais para percorrer os seus caminhos, de entrar numa história de salvação. (ZEVINI, Lectio divina per ogni giorno dell’anno 3, 2005, ca. p. 5-14).

 

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Diac. Francidilso Silva

Paróquia de São Francisco de Assis - Picos-PI

3 comentários :

Ricardo Moura Borges disse...

Exelente Texto.

Ricardo Moura Borges disse...

Oração
Senhor Jesus vos pedimos as disposições externas e internas para podemos vivenciar esse período Quaresmal que ora se inicia, e que intensificados nesse período possamos cada vez mais sentir a essência de Deus que é o amor. Amor este que se torna visível quando nos preocupamos de forma sadia com o outro que esta a precisar de ajuda. Amém

Ricardo Moura Borges disse...

Oração
Senhor Jesus vos pedimos as disposições externas e internas para podemos vivenciar esse período Quaresmal que ora se inicia, e que intensificados nesse período possamos cada vez mais sentir a essência de Deus que é o amor. Amor este que se torna visível quando nos preocupamos de forma sadia com o outro que esta a precisar de ajuda. Amém

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