27 de julho de 2011

“HONRAR O MÉDICO” Ecl 38, 1-15

Palavra do Padre - Flavio Santiago_thumb[3]Inicio a reflexão tecendo um pequeno comentário a respeito da palavra “conhecer”. Encontramos a palavra conhecer, com variações de pronuncia, em todas as línguas decorrentes do latim. Vejamos alguns exemplos: francês: connaître; no italiano: conoscere; no espanhol: conocer. Em todas essas línguas a palavra conhecer designa o fato de que a pessoa, usando as suas faculdades intelectivas, se apossa intelectualmente da essência de um objeto ou obtém informações sobre uma realidade especifica. Por exemplo: os médicos conhecem o corpo de modo geral e também uma parte do corpo, quando se especializam. Entretanto, na língua francesa, a palavra conhecer - connaître, além dos significados anteriormente mencionados, apresenta-se com uma nota particular. Conhecer indica também a união da mente que conhece com o objeto, com a realidade ou mesmo com sujeito conhecido.

Podemos, então, inspirados na rica sinonímia francesa afirmar que aquele que conhecer e o objeto conhecido fazem parte de uma única realidade, de uma única totalidade.

Esta totalidade composta da união da mente que conhece com o objeto que é conhecido chama em causa uma terceira realidade, que é aquela que está na origem tanto do sujeito que conhece quanto do objeto conhecido. Na língua francesa esta nova realidade é designada pelo sufixo “être”, da palavra “connaître” que encontra, na língua portuguesa, o seu correspondente na palavra “ser”. Verdadeiramente ao sujeito que conhece e ao objeto conhecido foi dada a oportunidade de serem, isto é, de existirem, já que não possuem em si mesmos a razão de suas origens.

Esta breve incursão no étimo da palavra “conhecer” nos oferece inspiração para que melhor compreendamos os textos bíblicos que escutamos nesta noite, sobretudo a 1ª leitura. Vejamos:

O texto do eclesiástico começa convidando os seus leitores a “honrar o médico”. Porém este não deve ser honrado por si mesmo, mais pelo fato de que nele e nas atividades por ele desenvolvidos nós encontramos os sinais de Deus – vestigi Dei –. O médico é necessário, pois por meio dele a sabedoria de Deus é distribuída aos demais homens e mulheres. Em suma: no médico e na atividade que este realiza nós encontramos Deus e a sua atividade incessante em favor da criatura humana.

A consciência desta dependência fundamental entre o profissional da saúde e Deus é necessária para evitar que estes mesmos profissionais se auto-deifiquem e terminem por advogar para si total liberdade na manipulação de fármacos, no desenvolvimento de técnicas ou de procedimentos terapêuticos que podem comprometer a integridade da pessoa que se encontra sob sua responsabilidade, vivendo um processo de cura. Não é demais recordar que recentemente os meios de comunicação denunciaram comportamentos e práticas de profissionais da saúde, particularmente aqueles ligados ao campo da reprodução humana, que extrapolando os limites impostos pelos códigos de conduta médica terminaram, infelizmente, vilipendiando a dignidade humana de seus pacientes.

A bela página bíblica que extraímos do Livro do Eclesiástico nos faz recordar, ainda, que a medicina somente encontra o seu sentido se for capaz de minonar o sofrimento, seja psicológico ou físico, do outro e da outra. Diz o texto: “o médico acalma a dor e a saúde se difundirá sobre a terra”. O corpo dilacerado é antítese de Deus – “dia-bolo” – por isso os fármacos, os ungüentos para ajudar este mesmo corpo a recuperar a condição original que pode vir a perder pela doença. O corpo saudável é um símbolo da presença de Deus. Como não podemos ver neste ensinamento do primeiro testamento a dimensão social da atividade médica que não nos deixa esquecer que atualmente, na América Latina, 200 milhões de pessoas carecem de acesso regular e oportuno aos serviços de saúde devido a localização geográfica, barreiras econômicas ou ausência de centros assistenciais. É imperioso que recordemos sempre que a “saúde é um direto de todos” e portanto, nos comprometamos na efetivação do artigo 196 da nossa Constituição.

Por fim, os versos finais do texto que estamos comentando chama a atenção para um tipo de patologia que normalmente não aparece nos diagnósticos médicos: o pecado. Encontramos ai uma concepção integral da pessoa humana. Ela não é apenas corpo, mais é também psique. O seu bem estar não pode somente se resumir ao físico mais deve também considerar outras dimensões da vida humana, como a moral, a estética, a religiosa. É necessário que os profissionais de saúde superem um modo de ser que os configura como operadores de técnicas, decifradores de exames, executores de rotinas, manuais e procedimentos para desenvolver uma sensibilidade que lhes torna aptos a se aproximarem do outro vivendo, assim, a lógica da cordialidade e do acolhimento.

1 comentários :

Ricardo Moura Borges disse...

Vejamos o que o velho filosofo Voltaire pode nos falar sobre a medicina:"A arte da medicina consiste em distrair enquanto a natureza cuida da doença."

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