Por que ler a
bíblia? Sendo um conjunto de livros escrito há muitos anos, podemos encontrar
algo de novo na leitura destas páginas? Seria impossível ler toda a Sagrada
Escritura, devido a sua extensão de páginas, capítulos e versículos?
Há quem diga
que não é necessário ler este livro, tendo em vista que se resume em uma única
palavra: amor. Não discordo do senso comum, mas penso que aquele que
possui uma crença e pratica a sua religião, no caso a cristã, deve no
mínimo conhecer os fundamentos de sua fé. Para nós católicos existem três
pilares que sustentam a nossa percepção sobre Deus, a saber: as Sagradas
Escrituras, a Tradição e o Magistério. Assim, como aquele que se dedica em um
curso superior, não fica preso apenas às aulas expositivas de seus professores,
mas leem os livros da grade curricular, assim como busca diversos outros livros
para complementar e aprofundar suas leituras, não diferentemente aquele que
busca entender a sua religião, deve buscar conhecer por meio da razão,
procurando bases seguras para entender com mais profundidade.
Desta feita, e
a partir de acontecimentos do cotidiano, me veio à curiosidade e o desejo de
lançar-me a leitura metódica e contemplativa das Sagradas Escrituras. Apresento
este texto, como meio de despertar o interesse nos leitores em buscar lerem os
textos bíblicos, tendo em vista que um depoimento pode despertar a curiosidade
e a partir desta podemos galgar caminhos mais profundos em nossa busca pelo
saber.
Um dos
acontecimentos que me fez voltar-se para a leitura dos textos sagrados foi
perceber que enquanto seminarista da igreja católica sempre fui impulsionado
para ler as escrituras e assim fazia-se em conjunto nas missas e demais orações
comunitárias. Penso que desde a infância na catequese tive todos os suportes necessários,
mas confesso que mesmo passando pelo caminho da Igreja não havia realizado de
forma sistemática e metódica a leitura das Sagradas Escrituras. Neste ano de
2020 faz exatamente dez anos que sai da instituição, distanciando-me
completamente não da religião católica, mas das missas, atividades paroquiais,
catequese etc.
Ao enveredar-me
pela academia nos cursos de história e sociologia sempre percebi o antagonismo
entre um senso comum que brada um ateísmo que está direcionado aos
historiadores e sociólogos, mas esquece-se que aqueles que fazem tais
cursos em nosso século não necessariamente viram ateus durante ou após o
curso, mas que em muitos casos, pude perceber que ao estudarem a história do
cristianismo abraçaram a fé com mais convicção do que antes de entrarem na
universidade. Mas este não foi o meu caso, tendo em vista que as minhas
pesquisas como historiador estiveram mais próxima aos usos das
Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação - TDIC's ao ensino de
história, voltando-me completamente para o campo de ensino de história.
Penso que o ano
de 2020, foi um ano onde completei algumas leituras de livros que estavam na
estante e que não pensava em ler, mas que se fizeram presentes dia após dia. E
dentro do meu guarda roupas, havia uma bíblia, a tão famosa Bíblia de
Jerusalém. Recebi-a de presente no ano de 2009, e encontrava-se como se
estivesse ainda na loja de vendas, com suas folhas amareladas, novinhas.
Procurei na
internet por meio de vídeos e sites, algum modelo, método, plano de leitura da
bíblia e encontrei um plano apresentado pelo padre da canção nova, Pe. Jonas
Abib. Achei muito interessante a forma como ele apresenta o método e a
necessidade de todo cristão de ler aquilo que lhe dá fundamento para sua
prática religiosa. Quando expresso religião, me remeto a etimologia da palavra,
que significa unicamente re-ligare, ou seja, ligar de volta. Ora se tenho fé,
preciso por meio das capacidades que Deus me dotou de buscar por meios
racionais a compreensão da manifestação de Deus, e a leitura da bíblia é
justamente um meio eficaz. Como nos diz: "Porque a Palavra de Deus é viva, eficaz, mais
penetrante do que uma espada de dois gumes e atinge até a divisão da alma e do
corpo, das juntas e medulas, e discerne os pensamentos e intenções do
coração." (Hebreus 4,12).
Iniciei a leitura das sagradas Escrituras a partir do dia 7 de junho de
2020, desde este dia até o presente momento, tenho me dedicado a leitura e
oração da palavra de Deus, retirando um tempo diário de em média entre uma a
duas horas. Isso me fez perceber o quanto o livro é rico, cheio de história,
literatura sobre percepções em relação à manifestação da ação de Deus na
humanidade. Destaco a importância do método, pois lembro que em alguns
momentos da vida, procurei lê-la do Gênesis ao Apocalipse, e lembro que quando
chegava em Deuteronômio, não conseguia avançar e acabava deixando de lado,
retomando apenas em espaços de tempo muito longos onde tinha que voltar tudo de
novo.
Desenvolvi a
percepção de que ler as Sagradas Escrituras, deve ser diferente de quando leio
um livro puramente acadêmico, o método embora pareça muito cartesiano está
envolto com a prática da oração, e isso me ajudou muito, pois a
intenção de uma leitura completa inicial da bíblia não é apenas acadêmico,
mas de também de entender as bases da fé que acredito. A sequência inicial
se faz fantástica, pois mostra que Deus é amor, e por isso nos mostra o seu
Filho Jesus, daí a importância de começar a ler a bíblica pelo livro de João. A
sequência didática e pedagógica me conduziu a uma interligação entre o antigo e
novo testamento, lendo do Novo para o Antigo, e ao estar no segundo percebia as
conexões apresentadas que se realizaram a leitura no primeiro. Quando vemos os
profetas, por exemplo, anunciando o Messias e apresentando as características
impares que se concretizam no Novo testamento, parece que nossa mente se abre,
fazendo conexões significativas.
Escrevo este
texto, neste dia de feriado em homenagem a Nossa Senhora Aparecida, em
agradecimento, pois foi justamente hoje que finalizei a leitura das Sagradas
Escrituras. O término se deu no dia 04 de outubro, faltando apenas alguns
salmos, onde hoje concretizei a leitura.
Agora pronto, é
só fechar o livro e nada mais? Muito pelo contrário, a leitura deve ser constante,
fiz apenas, a primeira leitura mais sistemática e metódica, de um conjunto de
livros que me programei para ler outras vezes. Durante o curso de teologia me
propus a ler quantas vezes forem possíveis. Agora a partir da segunda leitura,
colocarei em um caderno os principais pontos de observação e análise dos textos
lidos. Desta primeira leitura foram feitas descrições na própria bíblia, onde
finalizei a leitura deixando-a toda marcada, com sublinhações de partes mais
importantes que encontrei com breves súplicas e orações pessoais que foram se
formando de forma espontânea, assim como de breves textos de passagens que iam
surgindo em minha mente, onde lembrava de outros textos similares que havia
lido.
A leitura em
quatro meses parece ter sido rápida, mas isso me ajudou a não esquecer os
textos primeiros que li. Lembro que o Novo Testamento por ter um número menor
de livros (27 livros) me fez com que terminasse a leitura em um mês e alguns
dias, demorando-me mais na leitura do Antigo Testamento (46 livros). Lembrando
que nós católicos possuímos uma bíblia com 73 livros, enquanto a bíblia
protestante apresenta 66 livros. Mas essa discussão veremos em outros textos.
Criei este blog
com o intuito de socializar os estudos em teologia assim como a percepção sobre
as Sagradas Escrituras, lembrando que iremos tecer textos também sobre o
magistério e a Tradição, mas com o intuito de que quando mais ensinamos mais
aprendemos. Em meu breve estado como docente pude perceber até por incentivo
acadêmico que este método funciona com muito mérito.
Logo abaixo
deixo alguns passos simples que fui desenvolvendo e aprimorando, que me
ajudaram muito na leitura da Bíblia:
- Procure
uma boa tradução. Hoje temos diversas possibilidades de leitura da bíblia.
Escolhi a bíblia de Jerusalém pelos diversos comentários positivos assegurando
que é uma das melhores traduções da bíblia.
- Iniciar
o texto com uma oração, procurando acalmar e entrar em sintonia com o
momento;
- Ler,
meditar e orar um salmo (comecei pela sequência numérica ascendente do
1 ao 150, meditando um salmo por dia).
- Seguir
o plano de leitura escolhido no meu caso escolhi o plano apresentado
pelo Pe. Jonas Abib, mas a internet apresenta vários modelos, possuindo até
aplicativos para organizar a leitor com planos e horários.
- Manter
o propósito firme
Lembro que
marquei de 10 horas da noite até as 00h, então raramente alguém me achava neste
horário, quer estudando na mesa de estudos, quer vendo TV na sala quer nas
redes sociais.
- Criar
um ambiente propício
Coloquei o meu
quarto a disposição, tendo em vista que pude organizar o a luz, o ventilador, o
espaço de leitura - percebi que ler deitado não é uma opção muito favorável a
mim, tendo em vista que o sono pode chegar, então é necessário um espaço de
leitura seu, sentado, com uma posição que não agrida as costas, portanto, a
postura é muito importante.
- Celebrar
as pequenas vitórias
Ora, por ser um
conjunto de livros, é necessário ser cartesiano, ou seja, como ensinava o
filósofo Descartes: dividir em quantas partes for necessário. E assim o fiz, a
cada livro lido, alegrava meu coração, pois é uma vitória em ler e entender.
Aqui ressalto que não sou um gênio e, portanto, não foi minha intenção
compreender toda a bíblia, sendo que já cito livros, capítulos e versículos de
cor e salteado. Primeiramente que está nem é minha intenção, mas de
compreender, estudar e refletir.
- Perceber
o ritmo de leitura
O que em média,
ao me dedicar duas horas por dia, percebi que lia em torno de 14 capítulos da
bíblia, dependendo do livro bíblico, onde tem alguns que possuem
capítulos mais longos do que outros.
- Não
desanimar.
Ora, tem dias e
dias. Dias que estamos mais inspirados, outros mais cansados, outros felizes,
outros desanimados. Não se angustie se em um dia não deu para dedicar as oras
de leitura, mas agradeça a Deus pelo dom da vida. Percebi que não estava lendo
a bíblia porque sou um maratonista que devo superar ninguém. Ler é um dom de
Deus, que vamos aprimorando dia após dia.
- Ser
humilde.
Esse tópico me
fez refletir o quanto sou pequeno e que a história da humanidade e o propósito
de Deus para cada um é diferente. Ora meus avós nunca leram a bíblia, mas
ficava a refletira a tamanha sabedoria que Deus os deu no seu existir ao
construírem sua história de vida. Ler a bíblia não traz super poderes e
nem nos torna melhor ou pior a ninguém. Aqui ressalto que fiz apenas uma
leitura de muitas, aonde a cada passo vamos crescendo, estudando, maturando,
matutando e nos aperfeiçoando constantemente. Busque sempre, quantos termos não
entendi da primeira leitura, e fui anotando, pesquisando em dicionários
bíblicos a internet e até dialogando após a leitura.
- Faça
conexões.
Utilizando de
minha formação acadêmica, fui percebendo a cultura, a sociedade, a forma de
expressão do povo judeu e o plano de salvação de Deus, por meio de seu filho
Jesus que se faz presente na história. Utilizar os conhecimentos acadêmicos acrescenta
ainda mais fazendo uma interpretação mais ampla e rica dos textos
sagrados.
- Divulgue
o bem.
Compartilhe o
que você aprendeu. Poxa, quantas horas da minha vida dediquei a esconder o que
estudei, talvez por isso em alguns conteúdos aprendi o básico para passar numa
avaliação. Hoje ao ler um texto, percebo o quanto melhoro meu aprendizado, ao
dialogar sobre o que estudei.
- Procure
os pares.
Nem todos tem o
mesmo gosto que eu. Percebi isso de vários modos, então hoje procuro aqueles
que têm o gosto pela leitura, discussão sadia e desejo de crescer, apresentando
os mesmos objetivos. Temos um grupo de WhatsApp da teologia. Esse grupo
apresentam-se membros protestantes e católicos e isso é muito interessante,
pois podemos de forma sadia dialogar sobre a teologia.
- Oração final.
Agradeça a Deus
pelo dom da vida, pela leitura e peça constantemente o dom da sabedoria e da
inteligência. Deus abre os caminhos para aqueles que o procuram de coração
sincero, mostrando seu amor e misericórdia.
Estes passos
foram os que segui durante este período de leitura da Bíblia (junho a 12 de
outubro de 2020). Irei me organizar para fazer a segunda leitura acrescentando
novos passos e seguindo firme naqueles que deram certo nesse trilhar.
Ricardo de Moura
Borges (Graduando em bacharelado em
Teologia Católica).
12 de outubro de 2020 - dia de Nossa Senhora
Aparecida, padroeira do Brasil.